Palestra sobre o filme: "Una pistola en cada mano" (O que os homens falam)

O nome do filme nos chama a atenção, tanto em espanhol quanto em português. Em espanhol nos remete a ideia de que os homens estariam prontos para um combate sempre. Uma disposição constante à ação, ação essa de resolução, de extermínio, ou seja fálica. E em português a uma hipótese imaginária do que seria falado no universo masculino, uma subjetivação em algum nível. De um lado, a pronta ação revelando uma disposição constante ao ataque e a defesa e de outro a enunciação de um campo de fala masculino possível. Os dois títulos revelam dois lados aparentemente antagônicos, contraditórios e portanto conflituosos. E no filme percebemos muito desse conflito. Então podemos dizer que os dois títulos revelam boa parte da dinâmica conflituosa do campo masculino, e que o filme explora isso com sensibilidade, humor e inteligência.

Então vamos ao filme:

Primeira cena (amigos de escola)

Na primeira cena onde dois amigos de escola se encontram podemos perceber algumas coisas que nos chamam bastante a atenção:

O abraço é um contato importante. E esse contato se repetirá em alguns momentos que estão juntos. É uma demonstração clara do desejo de vivenciar algo mais próximo do outro. Um código limite. Isto porque não é claro, natural, orgânico, se dá quase que por trancos. Eles se perguntam: "quer que eu o abrace?" Mas vejam, isso é muito melhor do que em alguns campos onde não há essa possibilidade, isso está reprimido.

No Brasil, os homens não tem esse código tão aceito. Embora, ainda seja possível ver em alguns casos, em algumas famílias os homens se cumprimentando com um beijo no rosto, isto é bastante raro. Os abraços, em geral, quando existem, são de lado. Um meio abraço, quase que um encostar de ombros, com um típico tapinha nas costas, que parece significar: ok, deu. Não se demora nesse contato. É contato demais.

Bom, uma derivação que podemos pensar daí é que, esse mesmo homem se relaciona com uma mulher e que com ela, em princípio o código é aceito, bastante estimulado e bem-vindo.

O que vale pensar aqui é que há um corte muito radical na forma de agir. E isso pode ser mais um elemento de produção de uma dualidade. Ou seja, o código é: o homem pode ser afetivo com a mulher, mas não com outro homem. E essa interdição acaba por produzir homens que teriam que se "dividir" em seres afetivos só com um gênero, e o que vemos na realidade é que acabam por não serem afetivos com gênero algum pela própria falta de vivência. E pelo próprio corte e interdição em algo que deveria ser naturalmente vivido. A "afetividade" quando muito estaria canalizada para o campo sexual, o qual não se sustentaria saudável justo pelo excesso que teria que cumprir como função. Vale lembra aqui que uma das cenas, há um caso de "disfunção erétil". E talvez uma coisa tenha relação com a outra: a sobrecarga que é posta na função sexual como tendo que dar conta de todo o afeto na e da relação. Não é fácil manter uma pistola em cada mão 24 horas por dia.

O abraço entre os casais varia de acordo com as fases das suas relações.

Abraços que se entrelaçam, abraços possíveis, abraços que se encaixam, abraços que se sentem e abraços que sufocam, que não abraçam, corpos que se sobrepõem, abraços de corpos inertes que se aproximam sem se encontrarem absolutamente … muitos abraços, muitos contatos e muitos distanciamentos.

Vocês já se perceberam dando as mãos para alguém e sentindo claramente a sobreposição das mãos e a cisão radical naquilo que deveria ser um?

Mas, voltemos aos amigos de escola. Esses pareciam se encontrar no abraço, queriam ser abraçados e precisavam disso.

E a pergunta que fica é: "quando numa relação as pessoas param de se abraçar?" Parece que quando não "abraçam" mais a relação. Ou seja, quando estamos em relação há uma crença de que aquilo é, pode ser cada vez mais e esta crença faz com que a gente invista nisso, com a esperança de contato cada vez maior, mais profundo, com a gente e com o outro. Um processo inconsciente mas ativo e presente.

Dois homens com quase 50 anos, que se encontram, e param um diante do outro. Uma conversa que parece desde o início que pode ser rompida a qualquer momento. Falta de hábito? Casualidade? Um deles responde: Deve haver algum motivo.

E o motivo, o "leitmotiv", o motivo condutor, a "causa conexiva psíquica" parece ser : a densidade daquilo que cada um vive, e a possibilidade que é deixada em cada final de frase de uma continuidade de contato maior. Ou seja, a mecânica inconsciente parece ser: duas pessoas que embora tenham assimilado a superficialidade do contato educado e sociável, não desistiram internamente de buscar uma conexão consigo e com o outro. Algo pulsa e transborda nos dois a procura de um encontro e isso embora não seja claro para um ou para o outro é forte o suficiente para deixarem uma porta entreaberta em cada frase e seguem construindo uma conversa a cada palavra.

Isso é muito menos filosófico e abstrato do que vocês podem imaginar. É uma tentativa absurda de ter energia a cada dia para levantar e trabalhar por exemplo, isso só se faz se houver no sujeito nexo, se ele vir sentido para isso se isso está posto dentro de si, é um processo inconsciente, mais uma vez, mas que o seu resultado incide sobre o consciente, sobre a vida prática.

Poderíamos pensar num conceito caro à psicanálise: o unheimlich. Algo estranho e familiar ao mesmo tempo, pessoas que estão distantes, mas que num segundo se conectam profundamente. A partir do que? De suas humanidades, parece ser. Em ambos, doi algo … ao mesmo tempo que em ambos há uma crença no sentido de transformação disso: dessa dor. Um alívio, uma ponta de alegria?

É curioso destacarmos as estratégias disponíveis atualmente para lidar com o mal estar, aquilo que causa um desconforto, que pede por uma expressão, em algum nível. No caso destes amigos observamos dois recursos erigidos: um corre 3 vezes por semana e bebe uísque para tentar livrar-se daquilo que o perturba, o outro faz terapia.

Poderíamos nos perguntar, assim como eles se perguntam, quem está melhor? Qual a estratégia que melhor funciona?

E essa é uma deixa interessante para tocarmos numa noção fundamental de equilíbrio para o Zen e a Psicanálise.

A ideia muitas vezes que se tem equivocada de equilíbrio é a de que o sujeito deva escolher uma das pontas da dualidade: superficial ou profundo. Ou seja, muitos acreditam que para estar bem deve-se não aprofundar nada, não querer saber muito de si e dos outros, entreter-se bastante e deixar a vida levar, nessa estratégia cabem muitas práticas e todas elas precisariam seguir um ritmo compulsivo ou quase para aplacar minimamente o mal estar: bebida, consumo, sexo, viagens e etc. A turma da outra ponta profetiza: terapia na veia, algum medicamento, por que não? Muito papo cabeça, muita racionalização, muitas explicações e muito regramento.

O que poropomos no Zen e na Psicanálise é que o sujeito possa transitar entre a superfície e a profundidade sem receios, sem (pre)conceitos, sem valorizar em demasia um ou outro.

Ou seja, nessa perspectiva é desejável que se possa aderir a um projeto terapêutico, assim como se possa beber um vinho. É legítimo conversar com um amigo, assim como é igualmente valorizado uma ida à academia de ginástica. Podemos incluir uma prática meditativa como podemos também sair para dançar. Tudo isso é ascese pessoal, ou seja, trabalho psíquico para se estar bem.

A ideia aqui é a de que existem recursos e estes precisam ser utilizados de acordo com as necessidades e desejos dos sujeitos. O que não podemos fazer é privilegiar uma via em detrimento de outra. Pois isso sim, traz desequilíbrio porque promove tristeza e melancolia ou euforia e compulsão demais.

Um dos amigos parece um pouco anestesiado e lida com suas dificuldades com um certo cinismo: "um desgraçado global", ele diz, que talvez devesse tomar algum remédio e se o fizesse talvez não tivesse sido demitido do jornal que travbalhava. E o outro parece engolido, devorado por seu afeto não expresso: falta de ar, fobias, dificuldade para dormir, claustrofobia. A vida profissional parece o ter exigido muito e ficou faltando tempo e espaço para outras necessidades.

Não tem alguém melhor ou pior, eles se encontram no limite dos seus sintomas e olham um para o outro com compaixão, tristeza e alguma alegria pelo encontro.

"Ninguém nos avisou que seria assim, nenhum manual de intrução, nada! "

Ok essa frase como desabafo, ponto de encontro com o outro, mas a quem eles estão se referindo? Costumo dizer aos pacientes e alunos: não adianta a gente culpar alguém, um alguém imaginário ou real, o que importa é: O que eu sou, em que me transformei e para onde e como quero seguir. A partir desta atitude, a vida pode mudar.

Decisão interna de olhar para si, admitir o que deu até ali e o que tenho que batalhar pra deixar pra trás e o que quero conquistar. Desapego, desbastamento de ego e um bando de coisas que podem ser difíceis mas aparecem como imperativas. Nessa hora abre-se mão muitas vezes de uma relação, de um emprego, de uma forma de viver porque se compreende que não dá mais, ficou de fora elementos essenciais, e como o próprio nome diz: eles são essenciais. Se prescindo disso abro um campo grande para a emergência de doenças, porque por algum lugar tem que sair aquilo que sinto, se não for por uma boa expressão, uma boa vivência, será por uma ruim, para tentar dar conta.

Há uma força interna que o coloca o sujeito para agir, em direção à saude ou à doença. A importância aqui é que isso seja feito com serenidade e respeito À si e ao outro, nisso a meditação e a análise podem ajudar muito.

Ao final do encontro reconhecem, havia um motivo para se encontrarem: se reconheceram em suas dores e em suas esperanças em ultrapassá-las.

Meus amigos e pares em psicanálise, escreveram um artigo no Caderno Ela do Globo no sábado passado, onde mostravam a ausência de contato e afeto nas relações atuais. O foco principal era a análise das relações na era digital. Um super apelo a situações novas e sem limites. A superexposição e a exacerbação dos não limites podem ser pensadas como uma nova forma de repressão. Ou seja, o imperativo de repressão hoje é o da mídia que te exige o não limite. A frase mais contundente do artigo me pareceu ser:

"A ausência de um lugar íntimo aparece no consultório como um sofrimento sem razão aparente"

Intimidade, erogeneização, sexualidade e contato é algo muito além da banalização da super exposição atual. Trata-se de relações onde os sujeitos podem se dar tempo e espaço para existirem.

Se pudermos resumir o que mais fala nessa cena, podemos dizer que é a deflagração explícita de uma impossibilidade de coexistência de afeto, soltura, inteligência, reciprocidade e comunicação clara entre as pessoas. Os dois amigos estavam estrangulados em suas vidas por relações deficientes consigo mesmos e com os outros.

E para piorar a situação, vemos que o que é esperado para ser vivido, expresso e subjetivado no universo masculino, não dá conta da complexidade do que vivem de fato.

Segunda cena do filme (Casal separado)

Fica claro nessa cena o quanto os dois estão em momentos diferentes em suas vidas. Ela numa outra relação, grávida, e ele saindo de uma relação e se deparando com um vazio. Parece que esse vazio o remete às referências antigas. Aquilo que tinha de estabilidade afetiva. A casa, o filho, a mulher, parece que não aguenta a solidão e quer tomar de volta o que tinha antes. A diferença é que a mulher precisou seguir a vida dela sem ele e parece não ter sido nada fácil. Enquanto para ele parece ter sido fácil sair, pois estava entusiasmado com sua paixão, para ela foi difícil suportar a separação.

A impressão que dá é que ele busca ilusoriamente o que achava que tinha tido e não realmente o que deseja.

Ele parecer estar voltado para ele mesmo, para aquilo que poderia fazer bem a ele, preencher o vazio, e ela parece ter se decepcionado muito com ele. Está fria e defendida.

Ainda quando ele tenta buscá-la de um lugar romântico e sensual ela diz não se lembrar do que ele está falando.

Quando ele diz ter sede, do que ele está falando? Ele tem sede do que? Vemos no Zen que quando o sujeito percebe sua sede já éstá desequilibrando ou desequilibrado. Esse não é mais um caso de um homem que não fala? Ou fala de uma forma insuficiente?

Toda a tentativa dele é de resgate de algo que parece não mais existir;

É interessante pensarmos a natureza dos sonhos de ambos. Ele lembrando daquilo que os ligava e ela na tentativa de elaborar a raiva, o ódio do abandono, só consegue ter cenas de desligamento, de afastamento drástico da figura dele.

Num dado momento ela parece desfazer suas defesas e consegue contactá-lo. É curioso como neste momento ele reage defensivamente, recuando um pouco afetivamente e falando em terceira pessoa. "Os casais separados podem voltar, ocorre muitas vezes isso, na verdade eu só disse o que disse porque o garçom do bar me obrigou, pode ser que isso desse certo..."

Enfim, chama a atenção que quando ela baixa suas defesas ele parece erigir as suas. Una pistola aparece? Seu lugar de homem é esse?

O que isso quer dizer? Parece que ele tem de fato muito medo de se relacionar, de ser deixado, e consegue ir um pouco mais para seduzir, mas quando percebe que o outro está presente se assusta e se apresenta vaidosamente.

Quando ela diz que está grávida, ele fica muito desconsertado. MAS, me pareceu aliviado. Lidar com as duas posições de solitário, desamparado e ao mesmo tempo sedutor, dá trabalho! Parece que esse é o momento que ele percebe que a vida dela andou, que ela não estava congelada esperando por ele e ele também se vê ali sem sentido. Não há espaço para o atendimento da sua solidão, assim como não há espaço para sua sedução. Tudo que ele oferece está morto demais para um campo vivo que ela está inserida agora. Não tem sentido.

Ele diz ter entendido tudo. No entanto, suas coisas caem, junto com as caixas na rua, espalham-se na chuva, transbordam, excedem. Ele não dá conta de "segurar" tudo o que é seu. Precisa parar, para juntar tudo devagar. E esse deveria ou poderia ter sido o seu movimento desde o início: levar suas caixas, segurá-las e arrumar o que é seu com tranquilidade. Mas, saiu apressado num trampolim para outra relação.

Faltava a ele fazer isso na vida dele. Mais uma vez, vemos a falta de espaço interno para uma conversa consigo mesmo e com o outro. Isso acaba se apresentando pelo transbordamento, pela solidão excessiva causada por uma falência amorosa. Sim, porque na última cena ficamos sabendo que a relação afetiva dele havia acabado e foi lançado num vazio existencial importante.

Terceira cena do Filme: " O que os homens falam"

A referência ao ator John Wayne ator de faroeste, sempre com uma pistola na mão, imaginário masculino, ideal de eu? Ideal não só dos homens, mas infelizmente de muitas mulheres atualmente identificadas com a imagem fálica. Não posso deixar de observar esse ideal num vestuário que se faz em todas as classes sociais, seja pelo modelo original ou por suas réplicas: os relógios bem grandes, as estampas de onça, de cobra, as unhas grandes, como garras e com cores extraordinárias ... mulheres muito baixas com saltos muito altos … homens com carros muito grandes, relógios e ideais de acúmulo de bens insaciáveis. A pose com a família, "armados até os dentes" com próteses "seguras" e a garantia do entretenimento na outra ponta.

Na terceira cena do filme, a dos dois "conhecidos" que se "encontram" no parque podemos pensar algumas questões:

Na verdade parece que esse encontro acontece na exata medida que os dois não suportam dentro deles o que estão sentindo sem uma expressão maior. O que conseguiram até ali estava insuficiente demais.

Aquele que segue a sua esposa, sente necessidade de se aproximar mais do que ela está fazendo, do lugar, do sítio, da pessoa com quem ela está se relacionando, na tentativa insconsciente de dar um lugar ao que está sentindo, uma materialidade, e que não tem lugar possível de expressão. Sente-se excluído, sem possibilidade de compartilhar o que sente, só. Muito embora pareça que essa solidão tenha se dado por ele mesmo, ele com seus métodos, seus planejamentos e sua não vida, se isolou na relação e o outro foi embora.

A via que o marido consegue de buscar uma expressão para além do que tem disponível é inusitada. É aparentemente passiva, sem sentido, mas é o que consegue, num movimento fiel a si, ao que consegue compreender que necessita e deseja fazer. Vai seguindo esse fazer, desenhando as próximas ações. Está prestes a ligar para o amante da sua esposa quando encontra o seu "conhecido".

O amante não consegue ficar em casa olhando o marido lá embaixo. Ele sente necessidade de ir ao seu encontro. Ele precisa saber, precisa se encontrar com o outro em algum nível, a situação parece angustiá-lo.

A conversa entre eles segue alguns ritmos que chamam a atenção. Um deles é a posição subjetiva passivo e ativo. Sabemos que para o sujeito estar equilibrado é necessário que esse par esteja coeso e sem a prevalência demasiada de um sobre o outro.

A passividade é representada na maior parte do tempo pela postura do marido, sentado no banco, com quase nenhum tônus, com uma expressão combalida e pretensamente racional.

A posição ativa do amante é representada pela postura em pé na maior parte do tempo. Mas, quando ele se aproxima mais subjetivamente do marido, senta no banco também.

Nessas horas, fica claro o quanto a posição ativa prevalente era uma defesa dele, assim como as várias tentativas fracassadas de ir embora com seu cachorro.

Assim como também, o marido em alguns poucos momentos, se levanta não dando conta da sua posição defensiva prevalente de passividade.

O que estamos dizendo aqui? Estamos dizendo que em geral as pessoas aderem à uma posição subjetiva passiva ou ativa como sendo sua versão egoica que irá projetar para fora.

Ou o sujeito tudo sabe ou nada sabe. Ou ele tudo resolve ou nada resolve. O problema é que a partir desses lugares rígidos pouco há de espaço para um sentir e pensar livres que contemplem toda a situação. Por exemplo: para o amante só existe a possibilidade de tudo ser dito, esclarecido e resolvido. Para o marido só existe a possibilidade de tudo ser perdoado, compreendido e superado. Sem quebras, sem rupturas.

E no meio disso o que tem é uma pessoa que não consegue agir de um modo ou de outro: a mullher. E vive os dois.

Numa posição saudável, equilibrada, podemos pensar que algumas coisas precisam ser ditas e outras esperadas, dado tempo para que se possa elaborar.

Para o amante a posição do marido era insuportavelmente passiva, a ponto de poder ter um infarte. Para o marido a posição do amante era fria, imparcial e por isso conseguia propôr uma conversa resolutiva fácil.

Outro ponto que nos chama a atenção é aquilo que se formaliza demais nas relações, as relações em geral são capturadas por modelos engessados. A vitalidade da relação cede lugar a um nome: namoro, casamento … e a partir daí é como se não pudesse mais haver novidade. Todos já sabem quando, como e o que irão ter. A previsibilidade toma a cena e o casal já não se abraça e beija tanto, não se interessa em saber um do outro, afinal já se sabe ou já se supõe um saber, há a manutenção de algo que parece responder mais por um apego do que por um sentir pulsante e vital.

Neste caso, o olhar do amante tem um lugar estrategicamente perfeito, é próximo sem ser invasivo, é acolhedor sem sufocar, propõe a materialidade da relação sem a manutenção enfadonha do seu protocolo, é desafiador porque a toma de um lugar novo. No entanto, esse modelo também pode ser capturado por uma banalização ou naturalização se eternizado, cronificado.

Mais uma vez, qual seria a posição saudável? Aquela que sustenta o sentimento sem aprisioná-lo num nome. A que o encontro se faz de acordo com os movimentos desejantes de ambos. Que a simples enunciação de um promova o entusiasmo no outro, sem grandes falas, convencimentos ou discursos. Simultaneamente, que a abertura para a fala, a expansão e o aprofundamento dos sentimentos e dos pensamentos seja a condição de possibilidade ao invés de um ameaça que se reveste na sigla: discutir a relação. Muitos casais só conversam quando algo dá muito errado e aí agenda-se a DR.

Conceito em geral, frio, estigmatizado e que retrata o apego do casal a um estado de ter sido um dia feliz espontaneamente. Conversar não seria o natural? Por que discutir a relação? No limite, precisa ser feito, mas sem abertura interna, vira um duelo, onde um sai com a razão e o outro se submete porque teme perder sua "segurança" relacional.

Quando o marido diz ao amante que ele sabe há algum tempo que a mulher tem outra relação, ele fala da mulher como uma criança tola, ingênua: ela mente muito mal. Se no limite pode parecer uma compreensão e amor profundos pela mulher, revela também sua tentativa de controle sobre ela que foi justo o que a fez ir embora dessa relação porque se tornou insuportável. Ex: "me mentiu" a forma de dizer isso é totalmente autoritária e narcísica. Não há ou não deveria haver a cisão na mulher entre sua pureza, verdade e sua sexualidade, seu desejo de mulher. Laura pode ser pura, verdadeira e uma ótima amante. Estas coisas não se excluem. Se estiverem cindidas aí sim precisará buscar em outro lugar.

No final, os dois parecem ter chegado a um lugar de alívio, embora a situação não estivesse ainda resolvida. Mas saíram da obscuridade da posição fantasmática e pisaram na realidade.

Um parece querer continuar na posição de marido e o outro embora não consiga dizer claramente deseja a posição de amante sem ter alguém que sofra do outro lado. Na última cena percebemos que ele está prestes a ocupar a posição de marido e aceitar "carregar o piano da realação". Ele parece proferir a morte da crônica anunciada ao dizer para o amigo: é tá tudo bem MAS vou me casar. E isso parece querer dizer muito. Mais uma vez confusão com os nomes do cachorro e das mulheres. Quem seria o companheiro dele afinal? Com quem contaria para "colocar suas coisas em dia"? O cachorro ou as mulheres? Em que lugar colocar o quê? Se isso for resolvido, nossa hipótese é a de que ele entenderá a pergunta sobre o nome, pois a figura feminina será simbolizada e sustentada na sua vida e não ato falhará mais com o nome do cachorro.

Quarta cena (colegas de trabalho)

O rapaz que não se aguenta e da sua mesa de trabalho, suspira, desce e vai ao encontro da colega. Parece saber que quer, precisa do encontro, não consegue fugir disso, ao mesmo tempo que hesita na abordagem buscando um aprovação dela.

Mais uma vez, a necessidade e o desejo do rapaz em se contactar, se comunicar profundamente com alguém, é revestido por um papel de sedução, atendimento a um extravasamento sexual, uma aventura. A mulher percebe isso e alimenta a conversa, sente que é a oportunidade de fazê-lo perceber o quanto é ruim se sentir frágil, inseguro e hostilizado, como já se sentiu antes com ele e com outros colegas de trabalho.

Ela percebe que sua autoestima, sua beleza, sua inteireza o seduz. E percebe que ele não a vê, de fato, como não vê a si mesmo e sim aquilo que dela acena para ele como bom, alegre, prazeroso.

Ele não a vê inteira. Sua percepção é equivocada porque apreende a vitalidade atual dela mas atrela a uma imagem que tem que seria uma pessoa fácil, que fica com vários vulgarmente, e com a forma física de hoje que o atrai. Essa gestalt o faz ir em direção a ela. Mas, essa apreensão é totalmente equivocada.

É interessante percebermos que ele pode não mudar absolutamente a forma que tem se cindido. Inclusive no final do filme aparece mais um filho na sua vida, mas a menina em questão lhe deu uma ótima chance de rever sua vida. Ele disse: é preciso muita coragem para se separar ou para viver uma relação de verdade casado. Sim, para viver é um requisito fundamental. E como se aprende isso? Como dizem os franceses, a fome se apresenta enquanto comemos, nesse caso a coragem se apresenta enquanto nos apresentamos diante da nova situação.

O olhar do desse homem é vivo, de quem quer viver, mas ao mesmo tempo tem medo, muito medo. Seu desejo aparece calaramente na conversa com a mulher.

A postura dela é de quem compreendeu que só se molhando na chuva dá pra sentir a vida. E depois que transformou algumas dificuldades se resgatou, se reconectou, ficou bem, bonita e expressiva.

Quinta cena (dois casais)

Na cena dos dois casais que se encontram separadamente "por acaso", é muito interessante perceber como os homens falam quando não estão numa relação domesticada: casamento, por exemplo. Como se expressam e parecem ser outros seres, seres menos caricatos, menos deficientes, quase interessantes … digo quase, porque nos dois há uma reserva, um medo de ir além. Mas, parece claríssimo que os casais estão trocados. Ou os modelos mais uma vez engessaram esses casais? Uma hipótese não exclui a outra. O que poderia fazer a diferença é que esses homens não se deixassem aprisonar e parassem de falar.

A expressão da Maria é linda. Uma mulher que parece falar com o coração e a razão o tempo todo. Sua emoção no olhar, na modulação da voz, no ritmo da fala, a precisão do que expressa, é algo lindo de testemunhar. Uma mulher pronta para viver uma relação plena. Uma mulher que sabe de si, sabe do outro, sabe da sua capacidade e desejo de sustentar algumas dores e afirma seu desejo junto disso.

Maria é uma mulher forte, potente, com um homem em construção … um homem que está buscando falar … não sabemos o que vai dar isso. Ela o compreende, o aceita, o ajuda a buscar alternativas para superar suas deficiências ...

Mas, dá vontade de ver um beijo na boca naquele carro, de ver aquele homem sem sua "disfunção erétil", potente e presente como vimos ali. Muito embora, tenha nos parecido que mais do que beijo houve ali uma relação sexual plena, no sentido clássico freudiano. O que nos faz pensar que Maria tem sua capacidade de sentir muito disponível e emergente dentro dela.

Acho que eles se sairam muito bem como casal nesse carro. Ele está sensível a ela e a acompanha na sua respiração. Um contato que se dá "quase que em mundos paralelos" numa intimidade, sensibilidade e compreensão que talvez vivam uma vida inteira com seus parceiros oficiais e não cheguem nem de longe perto disso.

É interessante perceber que o outro par que se encontra na loja de vinhos, conversa, fala e continua com interesse o papo. Explicitando questões difíceis e compreendendo um a dificuldade do outro. Sugerindo possibilidades de resolução dos conflitos, disponíveis para a conversa, surpreendidos com as limitações fora dali … como se "fora da relação", tudo fosse incrivelmente claro, tranquilo e possível de lidar, com prazer e alegria. Sim prazer, alegria, bom humor, a conversa é gostosa … há interesse, desejo dos dois.

É muito interessante a cena seguinte onde os amigos se encontram e diante da porta do elevador, se percebem dois desconhecidos. O que esses homens falarão agora? Amenidades não cabem, assuntos profundos também não, pois sabem demais um do outro, sem terem intimidade para tanto. Um vazio … Além do quê, é como se ambos tivessem traído suas esposas, inconscientemente, com seu próprio amigo …

Sexta cena (os amigos)

Alguns amigos se encontram e percebemos que continuam não se falando muito, sabem um da vida do outro alguma coisa mas nada para se ir muito além. Encontram-se para se entreterem, para beber, comer e seguir a vida socialmente … com alguma inteligência, bom humor, algum afeto, mas nada para se ir muito além … para se saber tanto assim do outro, ou falar de si ...

Esse filme conhecemos bem, não?