Palestra: "Meditação Zen e Bem Estar"

O que é meditar? O que é bem estar?

É comum escutarmos que a prática da meditação produz bem estar. Mas, não é nada comum nos perguntarmos sobre a relação de uma coisa com a outra e mesmo o que é cada coisa dessas em separado.

Por que será que temos por hábito tomar como verdade algumas idéias sem nos havermos com elas?

Assim como o mal estar é tomado por algo que deve ser afastado com ênfase, o bem estar é considerado algo para se aproximar a todo custo. Essas idéias podem ser muito equivocadas.

Ao não se questionar o que é bem estar, o sujeito se coloca na posição vulnerável de ter essa ideia forjada por outro (ideologia, mídia) e acaba por se isentar de uma função fundamental que é: pensar o que é bem estar para si mesmo.

O mesmo acontece com a ideia da meditação. A meditação cada vez mais tem sido considerada uma prática que pode ser benéfica. No entanto, quando o sujeito não faz uma parada para conhecer de verdade o que é meditação na sua prática e fundamentação, ele pode até tomar para si o rito de meditar como um hábito, mas, dificilmente ele se aproximará daquilo que responde por meditação como prática de vida que lhe convocará a mudanças efetivas.

Então, vamos lá.

O que é bem estar? Antes de tudo precisamos dizer que bem estar e mal estar não podem ser separados um do outro. Não há como um sujeito só experimentar bem estar.

Vamos trabalhar um pouquinho duas idéias de bem estar. A primeira delas é a ideia muito difundida do que é bem estar e a outra é a ideia do que é bem estar para o zen e para a psicanálise.

A ideia propalada de bem estar em geral é algo muito superficial que diz respeito a um alívio, e, apaziguamento de um ritmo que parece naturalizado de estresse da vida moderna.

O bem estar assim pensado seria conseqüência de um mecanismo de ?válvula de escape?. O sujeito experimenta num nível muito imediato uma suspensão de desprazer: spas, férias, fins de semana, consumo de toda ordem, viagens, entretenimentos, comer bobagens e etc.

Ainda outra ideia equivocada seria a ideia de bem estar pela posição subjetiva ilusória da ?zona de conforto?. Nessa perspectiva o sujeito obteria um estado de bem estar, a partir, da fixidez em alguns pontos pretensamente escolhidos, na verdade, aderidos sem reflexão em sua vida: uma relação, um emprego, um consumo específico, a adesão a uma ideologia. O que está em jogo aqui é a tentativa de ?asseguramento? e o ?evitamento? de desprazer.

No entanto, a ideia que irá nos importar trabalhar é a de construção de bem estar num nível aprofundado, denso e conquistado. Esse bem estar é duradouro, constante, contínuo e ao mesmo tempo guarda tanto provisoriedade quanto eternidade.

Dizemos isso porque o bem estar para ser efetivo precisará cumprir alguns critérios. O sujeito para sentir que sua vida está boa, tranqüila, e que pode seguir em paz, sem hesitar ou duvidar, precisa estar conectado ao seu eu verdadeiro.

Aquilo que denominamos: ?eu verdadeiro? é construído a partir de um modo de se relacionar com o mundo que ofereça possibilidade de sua emergência.

Ou seja, desde muito cedo precisamos de um ?outro? que nos ampare, nos cuide, nos proteja e nos atenda. Essa relação implica em necessidade e é impregnada por afeto. Além disso, constitui algo muito importante e indissociável de um psiquismo saudável que se chama: desejo.

A função materna e paterna é muito importante para que o sujeito sinta segurança suficiente para seguir existindo e sendo atendido no seu ?continuar a ser?. Ou seja, na sua necessidade humana de se desenvolver e expandir na vida.

Quando é oferecido ao sujeito aquilo que ele precisa de forma essencial, delicada, não invasiva ou opressora, este pode expandir-se na vida e seguir sua existência com quietude e consistência.

O sujeito sente-se bem ou tem bem estar porque pode se movimentar sem restrições, constrangimentos, e gosta de si e de sua vida naturalmente.

Quando as exigências a ele são muito fortes, e o atendimento as suas necessidades muito fraca, há um descompasso e um comprometimento importante ao continuar a ser. Dizemos nesse caso que houve a prevalência de um incômodo, uma insegurança, ou um mal estar.

Isto se dá de modo bastante inconsciente de ambos os lados: filhos e pais. No entanto, observamos nitidamente ao acompanharmos de perto.

Em geral, os incômodos, e desconfortos se dão nessas relações, justo por um atropelo ao ritmo do outro e de sua própria vida. O sujeito começa a erigir mecanismos de defesa para lidar com esse mal estar.

O que são mecanismos de defesa? São formas de agir, pensar e sentir que não são próprias ao sujeito e sim modificadas na tentativa de conciliar aquilo que é seu com aquilo que o outro lhe exige.

Ex: a criança que atende ao pedido/ordenamento dos pais que seja comportado, educado, valente e bom aluno. A criança atende no que consegue a esta demanda e desenvolve junto disso uma inapetência. Diz de si como alguém que não gosta de comer.

Por esse pequeno esboço já podemos ter uma ideia do que seja bem estar num nível profundo e verdadeiro: é quando o sujeito não precisa mais fazer concessões para ser. Ele pode ser livremente e conviver com os outros sem ter que se preocupar com a ameaça do seu entorno. Sua liberdade de ser não compromete ou ameaça nada nem ninguém assim como nada a sua volta o ameaça.

A realidade dessa forma é algo natural e una. Não existe uma demarcação dual de realidade interna e realidade externa. A realidade do sujeito que experimenta bem estar de verdade é una. Ou seja, ele age, pensa, sente, e, vive sua vida, totalmente inserido no contexto presente sem hesitações e dúvidas paralisantes.

Age de acordo com a prevalência do que lhe parece apropriado para si mesmo e para o que está a sua volta. Só há desequilíbrio e descompasso quando o sujeito está fora do momento presente, projetando um futuro ideal ou ligado a um passado remoto e não mais existente.

Então podemos concluir ate aqui que: bem estar é poder estar com tudo que se é, construindo seu ser a cada momento, e convivendo com tudo que está a sua volta sem abalos. Mal estar, ou desconforto, desequilíbrio ou sofrimento, em algum nível, fará parte e poderá ser aceito, compreendido e elaborado. Voltando o sujeito para aquilo que lhe e próprio.

Os mecanismos de defesa que um dia precisaram entrar em cena hoje precisarão ser desfeitos para que o sujeito restabeleça sua saúde psíquica ou bem estar.

Como a meditação pode ajudar?

Meditar na filosofia zen é se colocar numa posição física e mental passiva e ativa ao mesmo tempo. Como assim?

A postura física propõe que estejamos ativos para sustentá-la, ao mesmo tempo, que passivos. Isto porque ficamos absolutamente parados.

A postura mental também é ativa e passiva: estamos diante de nós mesmos, de nossa produção mental e nos havemos com nossos pensamentos e sentimentos, nesse sentido poderia ser uma atividade. No entanto, o fato de estarmos ali com nossos pensamentos e sentimentos assim como com tudo que está a nossa volta não é exatamente algo ativo porque não está posta uma ação ou interação com esses elementos. O que fazemos na realidade é observarmos e deixá-los passar, seguir seu curso.

Quando podemos agir desse modo o que ocorre é justo uma redução de produção de pensamentos e sentimentos, podemos experimentar a quietude, o vazio, um espaço psíquico para existir sem estar ocupado com algo. Este espaço interno é muito importante para que o psiquismo possa funcionar bem.

Ao entrarmos em contato com o vazio, temos a experiência de unidade. Eu e o mundo somos uma coisa só, não há distinção do que sou eu e o que é o outro e essa vivência representa um momento de paz que faz com que o sujeito perceba a um nível muito profundo que tudo está bem, seguro. Ainda que esta experiência dure poucos minutos ou segundos, ela é muito importante para que o sujeito perceba que pode ficar em paz e essa vivência de satisfação ou prazer, nirvana, realizará uma marca importante para seguir sua vida com tranqüilidade e autoconfiança.

Na meditação, o que ocorre, é: justo, a possibilidade de desconstrução dos mecanismos de defesa. E isso se dá de um modo sutil e gradativo.

Quando o sujeito está na postura de meditação não há possibilidade de prevalência do ego (manas) ou do inconsciente (consciência armazenadora). Assim sendo, em pé de igualdade, todas as consciências (oito), podem oferecer um campo seguro para o sujeito existir sem defesas.

A meditação vai dando chance então do eu verdadeiro aparecer, aquilo que realmente sou e o que quero me tornar, e enfraquece o que o ego, ou falso self, aquele que se encarrega de dizer do sujeito através de um mecanismo defensivo.

Sendo quem se é de fato e tendo uma base segura da meditação para ser o sujeito consegue viver na maior parte do tempo sentindo-se bem, sem conflitos e seguro para seguir em paz sua vida.

Portanto, podemos dizer sim agora, com segurança que a meditação, tal como a descrevemos, e o bem estar, concebidos de um modo profundo, e verdadeiro, produzem um chão seguro para o sujeito sentir-se muito bem.