Palestra sobre o filme: "Truman"

No início do filme, observamos na expressão e atitude de Tomas uma seriedade, concentração e contenção que parecem sinalizar que está para exercer algo difícil, algo que se colocou como uma tarefa, uma missão, algo que o exigirá muito.

Sua expressão ao se despedir da mulher e dos filhos é delicada e sentida.

Percebemos sua apreensão ao chegar à porta da casa de Julian. Levam um tempinho até se dizerem algo. Olham um dentro dos olhos do outro, e naquele ato - onde um parece dizer: “Estou aqui” e o outro: “E não é que você veio cara?” - numa fração de tempo se diz muito, pois há na sustentação do olhar, um reconhecimento mútuo do valor da visita.

Eles se abraçam e se emocionam. A resposta de Julian à pergunta de Tomas é espontânea, verdadeira e pontual: ”estou feliz porque você veio”. A resposta por ser referente ao momento presente e conter uma possibilidade de alegria diante de uma situação tão difícil teve um função de alívio imediato para Tomas. Ele parece ter se liberado de uma tensão grande naquele momento. Ficam emocionados no mesmo instante. Houve uma descarga de energia e uma liberação para sentir o momento.

É interessante percebermos esse momento, pois ele já carrega ali um estado importante de coisas. A maneira como Julian recebe Tomas o convoca à pontualidade do momento presente. E para aquele que está carregando o peso de realizar uma missão, esse fato é muito importante, porque o coloca na posição de compartilhar algo e não a de ter que carregar algo.

Tomas compartilha com Julian sua preocupação, diz que não tem conseguido dormir e que até mudou de psicólogo por conta da sua problemática.

Julian se emociona com o desenho que os filhos de Tomas fez para ele, pergunta quanto tempo ele vai ficar e diz que está falido. Percebemos a intimidade que eles têm e a necessidade de Julian em saber com o que pode contar; seu tempo é escasso.

Alegra-se quando Tomas diz que poderão fazer o que quiserem nos quatro dias que estará lá. E, mais uma vez, observamos a boa disposição de Julian para viver o que se apresenta.

Há um momento de tensão inicial quando Julian percebe que o amigo pode estar ali para tentar convencê-lo de algo. Num ato intempestivo manda o amigo embora. No entanto, Tomas sustenta – afetivamente - a fúria de Julian e diz que vai ter que aturá-lo por quatro dias. Nessa hora, ele acaba deixando claro que se importa com ele e que está ali pra ficar. Isso faz Julian recuar na sua defesa e aceitar a presença sensível do amigo.

É notória a estratégia de Julian em tentar aproximar Tomas do Truman, quando ele pede para ele sair para passear com ele logo de cara. Sua expressão é de felicidade ao ver os dois saindo juntos.

Tomas é abordado na pracinha por uma mulher que conhece Julian e entrega para ele uma encomenda de Julian. O amigo vai entrando em contato com o mundo de Julian. A encomenda em questão era droga. Ele recebe e paga por ela.

Julian vai com Tomas no veterinário. Escolhe a melhor foto para divulgar para adoção. Mais uma vez o amigo entra em contato com a realidade de Julian, a de que ele pretende doar Truman.

Julian explica ao amigo um pouco da dimensão que o Truman tem na sua vida. Ele fala sobre a necessidade de conversar com o Truman sobre o que irá acontecer e que o Truman é um dos seus filhos.

A ida de Julian ao veterinário é para orientar-se sobre as possíveis reações de Truman quando ele não estiver mais vivo. Pergunta com clareza e firmeza como em geral os cães reagem ao falecimento de seus donos. Como vivem esse luto? Tomas nessa hora fecha os olhos, como quem não está acreditando que Julian esteja conseguindo fazer isso. Ele no íntimo condena essa atitude de Julian.

Julian quer saber se é melhor para Truman que fique com uma família com crianças ou com uma pessoa só como ele. Ainda, se deve entregá-lo com apenas suas coisas ou com algo dele também. Tomas ouve cada pergunta assustado e parecendo não acreditar que Julian consiga fazer isso. No entanto, o que Julian está conseguindo fazer só é possível por uma ultrapassagem muito importante que o sujeito faz de uma posição egoica. Ou seja, ele percebe e aceita profunda e verdadeiramente sua finitude e trata de encaminhar os cuidados necessários para aquele que depende dele.

O veterinário é alguém que consegue se posicionar de um modo muito interessante. Ele consegue dar respostas objetivas, claras, acompanhando de um modo sensível as preocupações de Julian, validando suas dúvidas e assegurando que ele estará bem, que cuidará dele de modo efetivo.

Essa postura sensível, clara e objetiva do veterinário, deixa Julian atendido em suas preocupações. Isso está longe de ser uma postura fácil e recorrente. No entanto, é uma postura muito adequada, porque atende - por atitude extremamente empática - ao que o paciente necessita de um modo preciso e observa os limites viáveis e sinceros do que propõe. Transmite confiança e por isso oferece segurança ao paciente num momento muito delicado. Nada mais, nada menos do que se precisa e do que se deseja.

Tomas sai da consulta do veterinário impactado e pede a Julian que o avise quando forem passar por alguma situação semelhante. Pedido esse que não faz muito sentido, pois é uma exigência muito além do que Julian poderia atender. Trata-se de um movimento delicado, sutil e assertivo que só pode ser feito de um modo inteiro, natural e imperativo. Não dá para ensaiar ou preparar o amigo para fazer aquilo que para ele só pode ser feito em um único e corajoso ato.

A realidade que Julian enfrenta é a de que irá morrer e ele não tem como poupar o amigo deste fato, por mais angustiante que possa ser estar na posição de ser testemunha desse processo.

No entanto, Julian compreende a angústia de Tomas e o responde naquilo que é mais essencial: “o mais importante na vida são as relações, o amor, a família, você e eu aqui, minha prima”. E essa resposta é potente e satisfatória porque dá ao outro a exata medida de que se pode algo, e que o que se pode, está sendo vivido naquele momento com força e presença.

Julian sente necessidade de expressar para Tomas que se deu conta de que são amigos por muitos anos e diz isso com alegria. Diz que o que mais aprecia nele é sua generosidade, a capacidade de dar sem pedir nada em troca.

Tomas tenta evitar a conversa, mas Julian insiste, dizendo que precisa lhe falar. Tomas resiste a algo que, lhe parece – em alguns momentos - ser uma despedida, e Julian deixa claro que é importante de se dizerem o que pensam e sentem.

Tomas entende, para, e diz a Julian que o que mais aprecia nele é a sua coragem, coragem de tudo enfrentar, como está fazendo naquele momento. Um momento importante para os dois. Um reconhecimento um do outro por uma apreensão verdadeira de cada um. E Julian diz: “Só por isso já valeu a pena você ter vindo do polo norte, não?”.

Julian e Thomas vão à consulta médica e na mesa do médico tem um calendário com uma foto de um corpo sendo dissecado e estudado por médicos. O olhar dos dois se volta para a foto. As expressões parecem revelar certa estranheza e impacto da morte estar sendo tratada como algo tão banal.

Julian apresenta o amigo ao médico dizendo que ele veio para se despedir. Tomas por uma lado se assusta, por outro se aborrece a cada vez que Julian se refere à própria morte de um modo natural e com algum humor.

Na consulta médica o que nos chama a atenção é a convicção, serenidade e firmeza com que Julian lida com os fatos reais da sua doença. E principalmente, a maneira como percebe e aceita os limites impostos pela doença.

Uma coisa muito importante que Julian consegue fazer com muita sabedoria, e que requer um nível de aprofundamento e conhecimento do humano significativo é compreender a dificuldade que é para aqueles que o cercam, ter que lidar com o limite que a doença impõe, e a tentativa irracional de tentarem se convencer e convencê-lo da inexistência ou materialidade de algo que é inexoravelmente existente. Isto revela a dificuldade humana de lidar com situações onde a impotência se apresenta, assim como a castração. No entanto, esses aspectos fazem parte da constituição do sujeito e negá-los, desvirtuá-los ou minimizá-los, não é algo efetivo e saudável. Essa atitude só causaria mais sofrimento e enfraquecimento psíquico.

Na verdade ele consegue dizer com todas as letras o que o médico não consegue. Consegue dizer e confirmar com o médico que sua doença é incurável.

Consegue fazer algo muito difícil que é aceitar a limitação da sua vida e a interrupção inesperada da mesma.

Compreende que o médico não pode curá-lo e que a proposta de estender um pouco mais a vida por uma prática extenuante de procedimentos medicamentosos que o debilitam e o fazem prisioneiro de internações constantes não é uma opção que deseja.

Tomas intervém num dado momento da consulta, na tentativa de fazê-lo aderir ao tratamento e agarrar-se à perspectiva de um pouco mais de tempo de vida. Diz que é necessário pensar com calma sobre o assunto. Julian lembra a ele que ele é quem há mais tempo vem pensando e vivenciando todo esse processo.

A atitude de negar a finitude produz e alimenta a ilusão de que se o sujeito aderir seja lá ao que for, ele driblará, prorrogará, ou de algum modo, empurrará - mesmo não sabendo exatamente como e se isso se daria de fato em algum nível - a possibilidade de continuar existindo, ou sobrevivendo. Mas, dado que existir é bem mais do que manter a vida a qualquer custo, não faz sentido essa adesão desesperada a qualquer modo de existência mantida em condições sub-humanas.

A despedida - de Julian e o médico – se faz, através de um gesto bonito, singelo e muito compassivo. O médico compreende que não há mais o que dizer, acolhe a decisão de Julian respeitosamente e ele pode expressar verdadeiramente sua gratidão por tudo que o médico pôde fazer até ali.

Ao sair da consulta, Julian e Tomas estão claramente sob o efeito da constatação dura de uma realidade que se impôs. Julian diz para Tomas: “Eu não quis te censurar. Fazemos o que podemos; todos. Ninguém tem culpa de nada”.

Tomas concorda num primeiro momento, mas depois acaba por dar vazão a raiva que está sentindo por ter que passar por aquela situação de ser testemunha do processo de morte do amigo em plena vida, um amigo totalmente lúcido e consciente de que irá morrer.

Acaba por culpar sua mulher por tê-lo colocado nessa situação. Confessa que por ele não teria vindo, mas ela o convenceu dizendo que se não fosse depois iria se arrepender.

É interessante observarmos um fato que ali se desenrola: ao mesmo tempo, que Tomas precisa expressar sua raiva, depois que o faz, consegue dar lugar a aceitação verdadeira de que Julian irá morrer e que não há nada que se possa fazer para impedir isso.

Tomas muda sua atitude e comportamento. Começa a fazer um movimento em direção a realizar algumas ações que podem ajudar e resolver situações concretas que se apresentarão durante e após a morte de Julian.

Por exemplo, tem a iniciativa de entrar numa livraria e procurar livros sobre psicologia animal, pois compreendeu que angustia a Julian não saber com mais propriedade como pode amenizar o efeito da sua ausência para Truman.

Julian se surpreende inicialmente com a mudança de atitude de Tomas, mas imediatamente depois, sorri com admiração ao ver que o amigo compreendeu o que ele realmente está vivendo e pode compartilhar com ele sua real experiência.

Julian pega um livro com ar de espanto e curiosidade. Chama-se: “A morte, um amanhecer”, a autora diz que o processo de morrer é idêntico ao do nascimento. Concordam que pode ser um bom livro. E ainda outro: “Ajudar a morrer”. Diz que pode ser bom, pois se, por exemplo, fosse para Tailândia, seria bom ter um mapa e nesse caso é igual.

O que parece estar em curso nesse momento, psiquicamente, é um reconhecimento e uma busca por recursos formais que julgam poder instrumentá-los e se sentirem um pouco mais amparados.

Julian sente-se tonto e Tomas o ajuda, saem da loja para ir almoçar. Afora a fragilidade e sintomas prováveis da própria doença, é interessante percebermos que Julian parece poder se fragilizar quando percebe que Tomas pode realmente cuidar dele.

Julian e Tomas estão almoçando e Julian tenta falar com um amigo que entra no restaurante, mas o mesmo finge que não o vê. Julian fica sem graça e meio triste, conta para Tomas o que está acontecendo. Tomas num primeiro momento não entende, mas Julian explica com muita clareza para Tomas algo que de tão real chega a ser difícil de ouvir. “As pessoas evitam, elas fingem não te ver, porque não sabem o que dizer e porque sentem o cheiro da morte”.

Tomas, ao mesmo tempo, que compreende rapidamente o que Julian está dizendo, pede para mudar de assunto. Para ele está demais ter que lidar com tudo isso, num momento em que estavam mais leves e tendo o prazer de uma boa refeição, depois de tantos momentos difíceis naquele dia que ele não esperava. Um limite importante que ele se dá.

Julian não hesita em fazer algo que muitas vezes as pessoas não fazem. E talvez faça agora pela urgência que se tornou sua vida. Levanta-se e vai falar com aqueles que fingiram não o ver. Cumprimenta educadamente o casal e quando o conhecido lhe diz que não o havia visto ele olha firmemente para ele e diz: “Sim, vocês haviam me visto. Não peço que vocês me liguem; que queiram saber de mim, mas se nos encontramos em algum lugar, seria razoável que me dessem um oi, um abraço. Isso poderia me dar um pouco de ânimo, cairia bem. De toda forma, fiquem tranquilos, não nos veremos mais”.

Julian está experimentando um modo de viver que na verdade, é um modo saudável e que deveria ser um modo natural de viver: agir pontualmente sobre aquilo que nos causa desconforto, mal estar. Expressar o que sente com clareza e civilidade, sem maltratar ou invadir ninguém; ao mesmo tempo, que dando lugar ao que somos e pensamos.

A importância de agir desse modo é precisamente para não acumularmos mal estar, desprazer, incômodos, que maculam, obstruem, confundem e enfraquecem nossa capacidade dinâmica e fluida de estar no momento presente inteiro para novas experiências.

Tomas compreende a atitude de Julian e pergunta a ele num tom de quem realmente se importa com o outro se sente melhor agora. Julian compartilha com o amigo o estado de bem estar que sente dizendo simplesmente: “melhor”.

Está livre para viver outra coisa agora.

A prima Paula parece ter tido um relacionamento com Tomas. Os dois parecem ainda atraídos um pelo outro e com certo constrangimento no trato.

Paula investe na possibilidade de Tomas convencer Julian de se tratar. Fica visivelmente chateada quando percebe que Tomas não conseguiu convencê-lo, expressa sua raiva dizendo que Julian carece de amigos de verdade. Quando estava bem era convidado para muitas festas. E que se sente só e cansada nessa batalha de ajudá-lo nesse momento.

Tomas tenta explicar a Paula porque não conseguiu convencê-lo a seguir o tratamento, mas ela não está aberta a ouvir nada diferente do que acredita.

Tomas quando chega ao hotel no fim do dia, está visivelmente exausto. Um dia vivido com muita intensidade. Julian liga para Tomas no meio da noite. Ele precisa contactar alguém. Alguém que possa compreendê-lo.

Fala dos seus sonhos, da imagem que habita a sua mente de uma viagem. Está elaborando a partida, o seu medo. Busca na figura parental um acolhimento, imagina que eles virão buscá-lo e o proteger. Diz que antes era ateu e agora não mais. Diz a Tomas que o ama e o agradece por ter vindo.

Julian e Tomas levam Truman para conhecer uma família adotiva. Chama nossa atenção o modo como Julian olha para Tomas quando alguma coisa o surpreende na atitude do amigo. Ele para olha firmemente para o amigo para pensar no que está acontecendo ali. No médico ele agiu assim, parando e olhando firmemente para Tomas e nessa situação, quando a mulher propõe que o Truman fique na casa delas já naquele dia para uma experiência e Tomas diz que lhe parece uma boa ideia.

Ele hesita, tem medo, acha que não vai aguentar, mas sustenta sua angústia quando Tomas sustenta esse sentimento com ele. Ele consegue ir adiante e deixa o Truman ficar. Os dois estão claramente juntos, tem uma aliança forte de compreensão, afeto e entendimento do que está sendo vivido. Quando Julian deixa o Truman ele não se aguenta, chora, transborda. Diz ao Tomas que são muitos anos juntos, dormem juntos, tomam banho juntos. Pede a ele que durma na sua casa, não aguentará ficar sozinho.

Julian vai a uma funerária com Tomas. Precisa fazer um orçamento e cuidar do seu enterro. A estranheza se apresenta logo no início da conversa quando ele se apresenta como o morto. Tomas fica perplexo ao testemunhar a cena de Julian observando os diversos tipos de caixão. Julian parecia estar lidando bem com a situação onde o vendedor discorre sobre os diferentes tipos de urnas e caixões, até que percebeu o tamanho da urna e se deu conta de que era bem pequena. Chega a perguntar ao vendedor se as mesmas não seriam muito pequenas, se caberia tudo ali e a resposta do vendedor o impactou muitíssimo: “sim, sim, cabe sim. Na realidade, fica reduzido a muito pouco”. A frieza, a crueza do vendedor, faz com que Julian se desconecte totalmente da conversa. Ele segue falando e Julian já não ouve mais nada. Tomas repara o que está acontecendo e assume o comando da conversa, encaminha com o vendedor a continuidade do atendimento.

Tomas oferece dinheiro para Julian. De um modo sutil e amigável acertam que Tomas deixará algum dinheiro para que ele possa se virar pelos próximos tempos.

Julian encontra um amigo no restaurante e tem a oportunidade de viver uma situação difícil, mas muito verdadeira. Ele que se pensa muito aberto e verdadeiro, se vê numa posição constrangedora e covarde; tendo que se esconder de um amigo. Um amigo que ele traiu sua confiança. Quando o amigo consegue vir falar com ele e diz de um modo sincero e aberto que sente muito pelo que está passando, ele sente-se encorajado a desculpar-se com o amigo e diz com muita ênfase o quanto se sente mal por ter quebrado sua confiança. Um momento também muito importante, pois conseguiu ultrapassar uma barreira da mediocridade que o apequenava e lançar-se para se retratar.

Tomas vive cada situação desta com Julian com densidade e ao mesmo tempo com humor. Uma relação que vemos desenrolar tanto para um quanto para o outro como algo extremamente importante.

O teatro parece ser uma paixão para Julian. A plateia parece encantada. A fala do produtor teatral é ambígua e ambivalente. Por um lado parecia acolhedor, por outro o demitiu instantaneamente. Não houve espaço para algo intermediário, algo como: “você não precisa trabalhar se não puder todo o tempo, mas te daremos algum suporte financeiro e existencial”.

Julian fica atônito e não consegue nem entender o que houve ali de fato. Tomas precisa esclarecer para ele o que aconteceu.

Julian e Tomas ficam muito próximos e conseguem viver momentos de intimidade. Quando a prima Paula liga, Julian demonstra sua falta de vontade de falar. Sim, porque mais do que falar como está todos os dias ele precisa de alguém que possa acompanhá-lo e ser interlocutor de fato, e muitas vezes sem dizer muito também.

Tomas quer saber de Julian o que ele pensou para aquele dia, o que deseja fazer. Julian responde de um modo muito interessante, ele deseja estar com seu filho, mas pode fazer qualquer outra coisa como remar no parque e estará bem também.

Isso é uma grande virtude, pois o sujeito pode se dispôr a algo grandioso como viajar por um dia para estar com quem realmente quer estar, que é importante estar, como pode fazer algo trivial e ser extremamente prazeroso também. Poder ficar bem com uma opção ou outra, sem dúvida, é uma sabedoria.

Quando estão no avião, Tomas pergunta a Julian se contou a verdade para seu filho. Vemos nessa conversa algo que nos chama a atenção, a posição de Tomas é uma posição que muitas vezes as pessoas se colocam, ou seja, uma visão que em princípio parece correta, sensata. No entanto, quando o sujeito mergulha na sua própria vida e busca compreender o sentido que aquilo pode ter de fato, ele precisará construir um modo de agir que lhe deixe bem e que possa caber o bem estar do outro também. Nesse caso, tudo que Julian precisava e queria era estar um pouco mais com o filho e que o mesmo tivesse prazer em estar com ele também tanto quanto fosse possível.

Ele pensava que de nada adiantaria antecipar um sofrimento para o filho. Ele estava ali na posição de pai buscando proteger o filho e tentando assegurar a ele que tudo poderia ficar bem, a vida podia seguir seu curso, ele não precisava interromper sua vida, ou carregar mal estar maior do que estava posto.

Mais adiante quando conhecemos o filho de Julian fica claro que ele não podia com tanta coisa. Julian talvez conhecesse seu contexto com o seu filho.

Até tentou falar algo para o filho, tentando ouvir o que Tomas sugeriu, mas não conseguiu. Mais adiante fica claro que o filho já sabia pela mãe, no entanto, também não conseguiu admitir isso para o pai.

Nico parece muito assustado e apreensivo e para tentar dar conta disso tem um comportamento defensivo: é evasivo, parece se esquivar do contato com o pai. Mas, na despedida, tem um transbordamento de afeto, chora, e precisa ir embora rapidamente.

Julian consegue sair, se alegrar, dançar e se divertir depois que vê o filho. Tomas nessa altura está muito próximo de Julian e consegue compreender o que está acontecendo. Eles vivem um momento de soltura num bar: dançando juntos de modo alegre e descontraído.

Julian pede o cuidado de Tomas de um modo genuíno, infantil, no melhor sentido da palavra. Ele pergunta onde irão dormir, quase como pedindo para ser colocado para dormir, e quando já está na cama, Tomas o cobre, olha para ele com muita ternura e afeto; e ele já com os olhos fechados, percebe e dá a mão para Tomas como que pedindo acolhimento, ternura e proteção.

Muito interessante observarmos a possibilidade interna de Julian de pedir ajuda e ao mesmo tempo de se virar sozinho. Ele é tão autônomo, e dá conta de si mesmo, quanto pode pedir ajuda e uma coisa parece ter tudo a ver com a outra.

É artificial e fraco o argumento do casal para adotar o Truman. A adoção de um cachorro que não fosse filhote fazia parte de uma recomendação terapêutica para servir ao propósito do filho adotivo - que foi adotado com três anos idade - para elaborar esse processo da adoção através de uma identificação com o animal de estimação em pretensas condições similares a dele.

Parece que buscavam a condição ideal para o filho estar bem. Se por um lado seria recomendado que o cachorro adotado tivesse algo em comum com o filho, por outro, o fato do cachorro poder não viver muito poderia traumatizá-lo e fazê-lo viver outra perda. Ou seja, pessoas que buscam fora delas um ideal do que seria bem estar. E parece que a vida teria que ser toda muito planejada para que pudessem ter o mínimo de segurança para viver algo.

Julian fica sem chão quando sua ex-mulher fala que contou para o filho sobre a real situação de saúde dele e a decisão de não seguir o tratamento. Tomas o ampara de novo, chamando-o para seguir.

Julian expressa cada vez mais para Tomas sua fragilidade. Diz estar nervoso porque ele vai embora. Fica muito fragilizado quando percebe que não conseguiu controlar a urina. Tomas o ampara de novo. Dizendo que está tudo bem e consegue fazer a função de um pai protetor na condição de um amigo de verdade.

Julian diz, num tom assustado e desolado para Tomas: “Eu era um galã, Tomas, um galã”.

No jantar que preparam para Paula, vemos na expressão de Tomas uma satisfação plena em estar cuidando de Julian e Truman. Cozinhando e cuidando para que tudo fique bem.

Tomas oferece um jantar gostoso feito com prazer. Julian sente-se à vontade para confessar a Paula e Tomas que pretende antecipar sua morte para não ter que passar, nem submeter a ninguém momentos finais difíceis.

Paula se irrita. Tomas é extremamente compreensivo e compassivo. Consegue compreender a amplitude do que Julian está expressando e agradece por ter contado. Diz que está feliz por ter vindo. Uma aceitação do que foi relatado num nível muito profundo, verdadeiro e por isso pode estar em paz.

Tomas consegue expressar a esta altura para Julian seu sentimento de que passaram muito rápido os quatro dias que estiveram juntos e o quanto gostaria de ter podido conversar mais, estar mais. Julian agradece a Tomas o dinheiro que deixou e diz que é muito. O dinheiro nesse caso parece representar o tanto de investimento afetivo que Tomas faz nessa relação de amizade.

Tomas se oferece para passear com Truman. Tomas diz a Paula que tem orgulho de Julian. Tomas consegue convocar Paula a se aproximar, a se humanizar diante daquela situação, a viver afetivamente o que está ali. Diz que não merecem se despedir de um modo violento, agressivo. Ficam juntos e levam juntos Tomas ao aeroporto.

E interessante o modo como Tomas olha para Julian. Vira-se no carro para olhar para ele de modo terno, carinhoso e totalmente entregue. Como quem pode dizer: ”Estou com você, meu amigo, agora, aqui, inteiramente, e isso é bom. Amo você”.

A cena final com Julian, Paula, Tomas e Truman, no aeroporto, é simplesmente precisa, clara e estupidamente emocionante. Isto porque Julian faz a coisa certa, na hora certa, com a pessoa certa. E não ficamos com nenhuma dúvida sobre isso.

A contenção por um lado, pois pode tratar do que precisava sem fazer alarde, a percepção de que Tomas podia cuidar do Truman e a maneira afetiva e objetiva que fez isso, deu à ação o contorno apropriado e certeiro. Tudo muito sentido e vivido da forma correta.

Um final de nos deixar com lágrimas brotando tranquilamente dos olhos para nos lembrar do que somos feitos: de afeto e relações verdadeiras. E isso não se dá de um modo qualquer, nos exige empenho e muita disposição para viver a vida verdadeiramente.